Resistência católica nos anos de chumbo
Médico e professor, o ex-militante Lurildo Ribeiro Saraiva lança Água Braba, livro que relata os primeiros passos da luta contra a ditadura de estudantes ligados à Igreja
"Eu sei quem são eles. Sei os nomes deles. Vou revelar à Comissão da Verdade.”" O ex-militante estudantil da Juventude Universitária Católica (JUC), que combateu a ditadura de 1964 e inspiraria a organização Ação Popular (AP), e hoje cardiologista e professor da UFPE, Lurildo Ribeiro Saraiva, 64 anos, refere-se aos componentes do temido Comando de Caça aos Comunistas (CCC), responsável por atentados e assassinatos de oponentes do regime militar, como o do padre Antônio Henrique Pereira Neto, em 26 de maio de 1969. Dias antes do sacrifício de padre Henrique, Lurildo esteve com o religioso, que era o pastor nomeado pelo arcebispo de Olinda e Recife, dom Helder Câmara, como assistente da Pastoral da Juventude. A memória preservada dos fatos que antecederam e culminaram no suplício de padre Henrique e dos atos da resistência estudantil à ditadura é que o hoje médico quer relatar à Comissão Estadual da Memória e da Verdade. “"Eles nasceram nas salas de cinema. A primeira manifestação pública foi o trote de Medicina de 1965"”, relembra.
A resistência dos estudantes nas ruas, o protesto no debate da Faculdade de Filosofia do Recife (Fafire) sobre a Aliança para o Progresso, em 1966, com o então candidato a presidente dos Estados Unidos, senador Robert (Bob) Kennedy –- que dois anos depois seria assassinado em Los Angeles -–, os dias de perseguições, ameaças, repressão e mortes de militantes são narrados no livro Água Braba -– Nos Tempos da Ditadura Civil Militar, que tem dom Helder como figura central da resistência estudantil católica à ditadura militar. Os tempos de repressão estão relatadas no livro que o ex-militante lança quinta-feira (27), às 17h, no Espaço Dom Helder da Igreja das Fronteiras, na Boa Vista, Recife, marco da resistência do ex-arcebispo. “"Padre Henrique vinha sendo perseguido 20 dias antes de sua morte"”, revela Lurildo. Fatos pré-Golpe de 64, a deposição do governador Miguel Arraes, as primeiras manifestações nos cinemas, o movimento estudantil nas ruas e o cortejo fúnebre do padre Henrique de 10 quilômetros, da Igreja do Espinheiro ao Cemitério da Várzea, cercado por soldados com baionetas empunhadas, historiam os anos 60.
"“Duas semanas antes estive com ele (padre Henrique). Às 18h, ele esteve na pensão onde eu residia, na Rua Bispo Cardoso Ayres, e fomos ao Cine Boa Vista para assistir o filme de Claude Lelouch –- Um homem, uma mulher –-, que fazia sucesso no mundo. Fomos a pé. Ele andava preocupado. O CCC metralhara a casa de dom Helder e a sede arquidiocesana do Giriquiti, e fez pichações ameaçadoras tipo ‘fora bispo vermelho comunista’. Ao sairmos, caminhando pela Rua Manoel Borba, ele me apontou o ‘"secreta"’ que o seguia há vários dias, um homem de cerca de 40 anos, terno de linho bege, fácil de reconhecer. No ônibus, na rua, em frente ao Giriquiti”", relata, em detalhes, Lurildo Saraiva.
TRUCIDAMENTO
No dia 27 de maio de 1969, a Arquidiocese de Olinda e Recife divulga nota, assinada por dom Helder, o bispo auxiliar e vigário geral, José Lamartine Soares, e os vigários episcopais Arnaldo Cabral, Isnaldo Fonseca e José Ernani Pinheiro denunciando o trucidamento de padre Henrique, então com 28 anos. O crime ocorreu na noite anterior, após reunião com grupo de pais e filhos no bairro de Parnamirim. E acusa a existência de uma “série pré-estabelecida” de próximas vítimas. "“Eu sei quem são eles. Sei os nomes dos componentes do CCC no Recife, os principais. Todos estão vivos. Estão ricos, poderosos. São autoridades. Todos nós que fomos estudantes sabemos quem são eles. Vou revelar à Comissão da Verdade”", diz Lurildo.
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