segunda-feira, 22 de outubro de 2012

O papel da Igreja Católica na ditadura militar

O período de vigência do regime militar (1964-1985) representou um dos momentos mais dramáticos da história do país no que se refere ao desrespeito e à violência contra os mais elementares direitos do cidadão. Depois de assumirem o poder por meio de um golpe de Estado, os militares consolidaram um regime político ditatorial que reprimiu violentamente os movimentos trabalhistas e os grupos de oposição.

A sociedade brasileira foi submetida ao terror de Estado, pois as inúmeras leis de exceção promulgadas ao longo desses anos romperam com a legalidade jurídica ao suprimirem os direitos individuais e constitucionais e as liberdades democráticas.

A tortura, prática cruel e desumana, largamente empregada pelos órgãos policiais contra os cidadãos comuns para extrair confissões de suspeitos, tornou-se uma política de Estado a nortear a repressão contra os envolvidos em quaisquer atividades políticas de oposição ao regime.

Foi nesta conjuntura de extrema violência contra os cidadãos que a Igreja católica assumiu um papel de destaque na luta contra a repressão e a tortura e na defesa intransigente dos direitos humanos, transformando-se na mais importante instituição de oposição à ditadura militar. E para entendermos esta postura da Igreja católica é necessário levarmos em consideração dois fatores: as mudanças nas diretrizes pastorais e teológicas e a ordem política e social estabelecida pelos militares após 1964.

Novas diretrizes pastorais
O período que antecede o golpe de 1964 foi uma fase de muitas mudanças sociais que afetaram diretamente a Igreja. A sociedade brasileira se encontrava em franco processo de modernização e o país se desenvolvia rapidamente deixando para trás seu passado agrário para se tornar uma nação predominantemente urbana e industrializada.

Nestas circunstâncias, a Igreja católica passou a enfrentar a perda de adeptos e a "crise de vocações", ou seja, gradualmente o catolicismo perdia influência na sociedade devido à concorrência de outros credos religiosos (principalmente o protestantismo de massa e a umbanda) enquanto que o sacerdócio deixava de ser um atrativo para os jovens.

A Igreja precisou, então, ajustar-se às mudanças que estavam ocorrendo. No transcurso das décadas de 1950 e 1960, ela vivenciou uma fase de estimulantes experiências pastorais que levou a instituição eclesiástica a se envolver com os mais variados setores, segmentos e classes sociais que surgiram com o processo de modernização social.

Assim, inovadoras práticas de evangelização fizeram com que a Igreja criasse uma série de organizações e entidades visando aproximar-se dos trabalhadores urbanos (por meio da JOC: Juventude Operária Católica e da ACO: Ação Católica Operária), dos estudantes (por meio da Juventude Estudantil Católica: JEC e da Juventude Universitária Católica: JUC) e das classes populares de modo geral (por meio das Comunidades Eclesiais de Base: CEBs). Nas décadas seguintes, surgiram as Comissões de Justiça e Paz (CJP), o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT).

O Concílio Vaticano 2º. (1962-1965)
O processo de modernização vivenciado pela sociedade brasileira era um fenômeno mundial, ou seja, afetava praticamente as mais longínquas e arcaicas sociedades do mundo produzindo profundas transformações na ordem social. Neste contexto, o Papa João 23 decidiu convocar o Concílio Vaticano 2º. a fim de discutir, com os membros da Igreja, qual seria o papel da instituição eclesiástica num mundo marcado por profundas transformações econômicas, sociais e políticas.

As encíclicas papais e as constituições pastorais promulgadas no decorrer desse evento legitimaram uma série de inovações teológicas e pastorais que mudaram os rumos do catolicismo mundial. Nos países em desenvolvimento, como era o caso do Brasil, estas mudanças foram marcantes.

A Igreja católica foi durante séculos uma instituição arcaica, elitista e conservadora, mas se modernizou e se aproximou das classes populares empenhando-se com afinco na promoção da justiça social e defesa dos direitos humanos.

O conflito entre a Igreja e o Estado militar
Quando ocorreu o golpe de 1964, as autoridades mais influentes dentro da Igreja católica no Brasil apoiaram a intervenção militar na política acreditando que o governo do presidente deposto, João Goulart, fosse uma séria ameaça à ordem social vigente devido a suas inclinações supostamente esquerdistas e revolucionárias.

Entretanto, conforme os anos foram passando, ficou cada vez mais evidente que os militares não desejavam transferir, como era esperado, o poder para os civis. Gradualmente, o regime se transformou numa ditadura altamente repressiva que amordaçou a sociedade e começou a eliminar, através de prisões, torturas e assassinatos, todos os focos de oposição.

Porém, à medida que a Igreja ampliava sua inserção junto a outros segmentos sociais, principalmente as classes populares, os seus membros (padres, freiras, bispos, arcebispos, etc.) também se transformaram em alvos da repressão policial. Pouco a pouco, as autoridades mais influentes dentro da Igreja passaram a assumir uma postura mais crítica com relação aos governos militares, opondo-se veementemente à tortura e à violência repressiva. Por outro lado, ao opor-se de modo cada vez mais firme contra a ditadura, a Igreja atraiu diferentes grupos e setores sociais que também estavam sendo vítimas da repressão policial.

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