O período de vigência do regime militar
(1964-1985) representou um dos momentos mais dramáticos da história do
país no que se refere ao desrespeito e à violência contra os mais
elementares direitos do cidadão. Depois de assumirem o poder por meio de
um golpe de Estado, os militares consolidaram um regime político
ditatorial que reprimiu violentamente os movimentos trabalhistas e os
grupos de oposição.
A sociedade brasileira foi submetida ao
terror de Estado, pois as inúmeras leis de exceção promulgadas ao longo
desses anos romperam com a legalidade jurídica ao suprimirem os direitos
individuais e constitucionais e as liberdades democráticas.
A
tortura, prática cruel e desumana, largamente empregada pelos órgãos
policiais contra os cidadãos comuns para extrair confissões de
suspeitos, tornou-se uma política de Estado a nortear a repressão contra
os envolvidos em quaisquer atividades políticas de oposição ao regime.
Foi
nesta conjuntura de extrema violência contra os cidadãos que a Igreja
católica assumiu um papel de destaque na luta contra a repressão e a
tortura e na defesa intransigente dos direitos humanos, transformando-se
na mais importante instituição de oposição à ditadura militar. E para
entendermos esta postura da Igreja católica é necessário levarmos em
consideração dois fatores: as mudanças nas diretrizes pastorais e
teológicas e a ordem política e social estabelecida pelos militares após
1964.
Novas diretrizes pastorais
O período que antecede o golpe de
1964 foi uma fase de muitas mudanças sociais que afetaram diretamente a
Igreja. A sociedade brasileira se encontrava em franco processo de
modernização e o país se desenvolvia rapidamente deixando para trás seu
passado agrário para se tornar uma nação predominantemente urbana e
industrializada.
Nestas circunstâncias, a Igreja católica passou a
enfrentar a perda de adeptos e a "crise de vocações", ou seja,
gradualmente o catolicismo perdia influência na sociedade devido à
concorrência de outros credos religiosos (principalmente o
protestantismo de massa e a umbanda) enquanto que o sacerdócio deixava
de ser um atrativo para os jovens.
A Igreja precisou, então,
ajustar-se às mudanças que estavam ocorrendo. No transcurso das décadas
de 1950 e 1960, ela vivenciou uma fase de estimulantes experiências
pastorais que levou a instituição eclesiástica a se envolver com os mais
variados setores, segmentos e classes sociais que surgiram com o
processo de modernização social.
Assim, inovadoras práticas de
evangelização fizeram com que a Igreja criasse uma série de organizações
e entidades visando aproximar-se dos trabalhadores urbanos (por meio da
JOC: Juventude Operária Católica e da ACO: Ação Católica Operária), dos
estudantes (por meio da Juventude Estudantil Católica: JEC e da
Juventude Universitária Católica: JUC) e das classes populares de modo
geral (por meio das Comunidades Eclesiais de Base: CEBs). Nas décadas
seguintes, surgiram as Comissões de Justiça e Paz (CJP), o Conselho
Indigenista Missionário (CIMI) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT).
O Concílio Vaticano 2º. (1962-1965)
O
processo de modernização vivenciado pela sociedade brasileira era um
fenômeno mundial, ou seja, afetava praticamente as mais longínquas e
arcaicas sociedades do mundo produzindo profundas transformações na
ordem social. Neste contexto, o Papa João 23 decidiu convocar o Concílio
Vaticano 2º. a fim de discutir, com os membros da Igreja, qual seria o
papel da instituição eclesiástica num mundo marcado por profundas
transformações econômicas, sociais e políticas.
As encíclicas
papais e as constituições pastorais promulgadas no decorrer desse evento
legitimaram uma série de inovações teológicas e pastorais que mudaram
os rumos do catolicismo mundial. Nos países em desenvolvimento, como era
o caso do Brasil, estas mudanças foram marcantes.
A Igreja
católica foi durante séculos uma instituição arcaica, elitista e
conservadora, mas se modernizou e se aproximou das classes populares
empenhando-se com afinco na promoção da justiça social e defesa dos
direitos humanos.
O conflito entre a Igreja e o Estado militar
Quando
ocorreu o golpe de 1964, as autoridades mais influentes dentro da
Igreja católica no Brasil apoiaram a intervenção militar na política
acreditando que o governo do presidente deposto, João Goulart, fosse uma
séria ameaça à ordem social vigente devido a suas inclinações
supostamente esquerdistas e revolucionárias.
Entretanto, conforme
os anos foram passando, ficou cada vez mais evidente que os militares
não desejavam transferir, como era esperado, o poder para os civis.
Gradualmente, o regime se transformou numa ditadura altamente repressiva
que amordaçou a sociedade e começou a eliminar, através de prisões,
torturas e assassinatos, todos os focos de oposição.
Porém, à
medida que a Igreja ampliava sua inserção junto a outros segmentos
sociais, principalmente as classes populares, os seus membros (padres,
freiras, bispos, arcebispos, etc.) também se transformaram em alvos da
repressão policial. Pouco a pouco, as autoridades mais influentes dentro
da Igreja passaram a assumir uma postura mais crítica com relação aos
governos militares, opondo-se veementemente à tortura e à violência
repressiva. Por outro lado, ao opor-se de modo cada vez mais firme
contra a ditadura, a Igreja atraiu diferentes grupos e setores sociais
que também estavam sendo vítimas da repressão policial.
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